Folhetim | Desvairadas Gentes (2º. Episódio)

FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério

 DESVAIRADAS GENTES (2º. Episódio)

Já há algum tempo que ele não parava de lhe pedir ajuda para comprar gasolina para a moto. Tinha deixado de a arrumar ali à beira do passeio, alegando ter encontrado estacionamento bem mais seguro.

– Onde?

– Ali atrás! E alongava o braço, num movimento impreciso, a fungar.

– Sempre constipado. E magrito. Uma ralação, este miúdo.

Só o Zeca, filho da Dona Antónia da tabacaria, senhora que falava duas oitavas acima, de modo a fazer-se ouvir ao longo da Calçada sempre que dizia – Bom Diiia!, só ele ignorou o alarido e aproveitou para ser logo atendido.

– Fósforos, uma caixa.

– Das grandes ou das pequenas?

O Zeca coçou a orelha, ou antes, torceu-a.

– Sei lá. A minha mãe não disse.

– Então levas das grandes. Se não for, diz à tua mãe que eu “destroco”. Isto é preciso uma paciência!

– “Tá” bem, “prontos”.

Saiu com as mãos nos bolsos dos calções, a fazer salientar o traseiro gorducho, frequente motivo de implicâncias dos adultos que atiravam inconveniências, tais como

– Que grande padaria! ou

– Para que queres um cu tão grande?

O Zeca tinha uma fórmula mágica para lhes acabar com a gozação:

– É para cagar!

E seguia o seu caminho, expelindo o sopro com que melhor conseguia imitar um assobio. Depois de breve silêncio, algum dos crescidos desabafava:

– O cabrão do puto é mesmo malcriado! Onde é que se viu um fedelho ganhar às palavras com um homem? Já não há respeito como antigamente, é o que é.

Como os gritos continuavam e encorpavam, acabaram todos por se postarem à beira do passeio falho de paralelepípedos.

 

(continua)

 

 

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